- 27/02/2024
Simplex exige maior rigor técnico e cívico: a visão dos projetistas
Profissionais falam em maior responsabilização e necessidade de seguros mais "estruturados e robustos" com nova lei do urbanismo.
O novo simplex urbanístico entra em vigor no próximo dia 4 de março. O tema pôs o setor a debater as várias alterações à lei, sendo ainda difícil aferir o real impacto das medidas no terreno. O objetivo é dinamizar o mercado e dar impulso aos investimentos, evitando que os projetos fiquem “parados” – quase por tempo indeterminado – nas autarquias. O idealista/news já ouviu vários players de mercado, como promotores, mediadores e advogados, e quis saber qual é a visão dos projetistas sobre a simplificação dos licenciamentos. Afinal, a nova normativa vem facilitar ou complicar o desenvolvimento de projetos imobiliários e a oferta de casas em Portugal?
Jorge Nandin de Carvalho, Presidente da Direção da Associação Portuguesa de Projetistas e Consultores (APPC), diz que “não há leis perfeitas”, mas avalia o novo simplex urbanístico como algo positivo para o mercado, sendo certo que os diversos agentes económicos precisam de adaptar-se às novas circunstâncias. Recusa dramatismos por antecipação, considerando mesmo que “não deve ser dado nenhum passo atrás antes de a lei ter pelo menos um ano de prática e de estarem levantados os problemas pela Comissão de Acompanhamento”.
Afinal, argumenta, “é preciso testar a aplicação prática da lei”. “Se efetivamente a lei descomplicar 90% das situações complexas atuais isso é muito positivo. Não há leis perfeitas, pois são feitas por humanos, e se a taxa de novos problemas ou impasses for só de 10%, já é muito bom”, sublinha, acrescentando que a Comissão de Acompanhamento “será justamente para seguir e propor a resolução das situações ou efeitos da lei que o legislador não conseguiu prever ou não estão suficientemente claras”.
Bernardo Matos de Pinho, administrador executivo da Tecnoplano, empresa associada a APPC, considera que o simplex “é muito bem-vindo”, lembrando, porém, que “põe a descoberto riscos que sempre existiram do lado dos promotores e projetistas, mas que até agora tinham o ‘conforto’ de uma aprovação não vinculativa do licenciamento camarário”.
“Para o projeto é ótimo, porque vai diminuir os períodos de interrupção da execução das diferentes fases do mesmo. Era ineficiente uma equipa estar a trabalhar num licenciamento, submetê-lo numa Câmara e passados três a cinco anos retomar o projeto para execução já com luz verde da autarquia”, declara.
Nova lei é bem-vinda, mas responsabilidade aumenta
Relativamente aos riscos, Jorge Nandin refere que “muitos deles podem ser evitados se os projetistas forem profissionais e avisarem os promotores dos riscos que correm com projetos potencialmente não conformes, em lugar de arriscarem a sua conformidade”. “Isso pode ter consequências importantes pois muitas vezes as questões não são a preto e branco e posteriormente estas indefinições podem conduzir a dissabores. Por isso é que esta lei aumenta exponencialmente a responsabilidade profissional e a sensibilidade social e cívica dos projetistas e, naturalmente, tal poderá vir a ter repercussão nos honorários dos projetos”, adianta.
“Alguns analistas têm tendência para ver o copo meio vazio e que as classes profissionais ligadas à construção são entidades privadas oportunistas e só com olhos para os cifrões. A Europa tem avançado muito nas exigências ambientais e sociais que faz às empresas e as novas normas ESG contribuirão também muito para isso. Já não estamos propriamente no tempo dos construtores civis iletrados e as empresas de construção têm evoluído muito”, defende.
Muitos players do setor consideram que a lógica do novo simplex pode estar a ser levada longe demais, mas responsável da Tecnoplano lembra que não é possível falar propriamente de “licenciamento zero”, uma vez “os projetistas terão sempre de entregar todos os elementos para licenciamento e assumir a responsabilidade de que está tudo conforme”.
“A comunicação prévia pode ser chumbada se for dentro dos prazos estabelecidos e, no caso de uma aprovação tácita, por falta de cumprimento de prazos por parte da autarquia, esta pode sempre decidir anular solicitando correções durante os próximos dez anos”, refere Bernardo Matos de Pinho, acrescentando que isto poderá aumentar “em muito” a litigância nestes procedimentos urbanísticos. “Temo que passemos a ter muitas edificações em esqueleto espalhadas pelas nossas paisagens, pois os nossos tribunais não têm capacidade para agir dentro dos timings que seriam adequados”, frisa.
Apesar disso, acredita que “o sucesso da medida vai estar nos detalhes”, e só “será posto em causa o controlo urbano e a responsabilidade técnica se existirem atropelos desmedidos ao simplex, ou se ocorrer uma tentativa de contornar algumas questões, que mesmo simplificadas possam colocar entraves aos objetivos de algum dos envolvidos”. “Não pode haver liberdade e desregulação sem o consequente aumento de responsabilização e rigor”, sublinha o administrador da Tecnoplano.
Uma opinião partilhada pelo presidente da APPC, que dá como exemplo as empresas projetistas da associação, que “têm uma boa consciência cívica e técnica”. “A maior parte dos gestores das nossas empresas de projeto e de fiscalização de obras são qualificados e têm consciência que uma empresa tem de cumprir a lei e regras profissionais e que não deve correr riscos desnecessários”, garante.
Novo simplex requer seguros mais "estruturados e robustos"
Jorge Nandin reconhece que a nova lei terá limitações e entende que vão surgir muitas outras dúvidas, mas considera “que no anterior regime é que não podíamos continuar”. “Espero que os diversos agentes económicos se adaptem às novas circunstâncias, pois no geral, o novo regime é positivo”, salienta.
“Sabemos que a Ordem dos Engenheiros considera que é necessária uma convalidação das Ordens profissionais ao termo de responsabilidade do técnico responsável, por exemplo, e julgo que isto tem a ver com o novo estatuto das Ordens. Nós, projetistas, empresas de arquitetura e engenharia, achamos que esta responsabilização individual está obsoleta, e o que acontece é que na maior parte dos projetos, salvo os muito pequenos que podem ser geridos por profissionais liberais, os seguros de responsabilidade civil são subscritos pelas empresas e têm, naturalmente, um nível de cobertura bastante mais alto que os seguros dos profissionais individuais”, argumenta.
O responsável explica que a APPC, por exemplo, gere um seguro de grupo de responsabilidade civil profissional “que é muito utilizado entre as suas empresas associadas”. “Com o aumento de responsabilidade que este diploma acarreta para as nossas empresas este seguro é essencial e já estamos a estudar com o nosso corretor os eventuais efeitos que esta lei pode trazer ao nível de coberturas”, diz ainda.
“As nossas empresas projetistas continuarão a fazer o trabalho exatamente como sempre fizeram, isto é, tecnicamente o melhor possível. Não quer dizer que não se venham a cometer erros, porque errar é humano, mas os promotores e os projetistas agora sabem que esses erros urbanísticos e técnicos podem sair dispendiosos e por isso têm de ter seguros bem estruturados. Esperamos também que o novo Código da Construção retire muita da dualidade na interpretação e anule muita da legislação duplicada e obsoleta”, acrescenta Jorge Nandin.
Bernardo Matos de Pinho, da Tecnoplano, acredita que o setor “terá de criar limites às responsabilidades e munir-se de seguros de responsabilidade profissional mais robustos, tal como acontece nos países nórdicos mais liberais”, uma vez que a “maioria dos gabinetes não têm balanços robustos para fazer face às eventuais penalidades, nem seguros com capital adequado a esta nova realidade”.
lém disso, é importante que os clientes redobrem atenções na escolha dos projetistas, “procurando profissionais com maior capacidade e consequentemente balanços sólidos”. “Porque se assim for, há muito a perder caso exista um erro que prejudique o cliente, maior capacidade de resposta e seguros de responsabilidade profissional mais robustos. Se isto acontecer com um gabinete pequeno, há uma menor capacidade de resposta em casos de pedidos de indemnização, e no limite este entrega a “chave” do gabinete ao cliente, que servirá de pouco a este. A opção de risco está do lado dos clientes”, salienta.
Para já, a APPC ainda não recebeu nenhum caso prático com impacto uma vez que a nova lei dos licenciamentos urbanísticos, na sua maior parte, ainda não entrou em vigor. “Tem-se discutido muito o articulado, o que está bem e o que está mal (especialmente o que parece estar mal, claro) mas problemas concretos ainda não”, diz. Para Jorge Nandin, o “acompanhamento prático da lei é essencial”, e adianta ao idealista/news que a associação está a pensar criar uma plataforma de discussão sobre o tema, onde os associados possam dar a conhecer e comentar os problemas que forem surgindo para poderem, em conjunto, saber o que há que melhorar.